2021

 Jaz faz 11 anos. Desde que você tocou na minha mão e de um jeito bem estranho, desenhou de caneta azul alguns rabiscos enquanto tagarelava como uma louca. Eu olhava aquele cabelo curtinho que você tinha, como chama mesmo? As suas costeletas. Elas eram grandes pro curtinho do seu cabelo. Eu confesso que no momento em que aquelas costeletas estranherrimas, foi como um se um tiro percorresse toda a minha corrente sanguínea. Eu soube exatamente ali que arderia de amor por longos anos. 


Bom, enquanto você desenhava com aquela caneta azul, falava sobre seu aniversário e o quanto você amava esse dia é sobre como ele era tão perto do réveillon que as pessoas sempre acabavam deixando você de lado em troca de uma data que, óbvio, na minha concepção aquela altura, era um crime alguém deixar de comemorar a sua vida por causa de uma simples virada de ano né? Eu já te venerava.

As duas semanas seguintes eu dormia e acordava lembrando do seu cheiro de chocolate e daqueles malditos sinais que você carregava debaixo dos olhos. Aqueles que saltavam por cima das bolsinhas que você tinha quando dava aquele sorriso enorme. Eu esperei ansiosa para te dar parabéns e enfim conseguir te chamar pra sair. E você aceitou. 


É, tinha que ser na virada de ano. Aquele foi o melhor réveillon da minha vida. Eu estava insanamente apaixonada, ingenuamente feliz e claro, ridiculamente envolvida por você. Aquele short branco e as suas mãos nas minhas e toda a música que dançamos e suamos, isso é inesquecível.


O resto é história. A longa e dolorosa história de amor, de almas gêmeas que se encontram, mas nunca podem ficar juntas. Ah, meu bem. Não sabes como cheguei a crer que o futuro seria nosso em algum ponto. Não sabes o quanto sonhei com nossas famílias em aceitação, com nosso ape infestado de cerveja e cigarro depois de uma noite com os amigos. Eu preparando o café e você juntando o lixo.


Já faz 11 anos. Onze anos. Vi que se mudou. Senti a pontada de felicidade e medo que você teve, as borboletas que há muito sonhava, o cheiro da independência invadindo todos os seus poros. Do lado de cá não foi fácil. Eu escolhi um caminho difícil, baby.


Trabalho como um cão. Não me sobra tempo. Não há tempo para amar nada nem ninguém além do meu próprio trabalho e pasme, marido. Eu sei, eu sei. Parece loucura. Mas o amo. Minhas paixões de sempre, sabes? Daquelas que não consigo evitar, que logo se transformam em amor e as quais crio algemas e as prendo por tempo indeterminado.

Ah mas nossa sexualidade nunca foi segredo, tampouco tabu. Amamos e desconjuntamos tantas pessoas ao longo dos anos, inclusive a nós mesmas, que seríamos incapazes de julgar uma a outra. Na verdade acredito mesmo que isso expande ainda mais nossa capacidade de conexão mútua.


Você enfrentou uma longa depressão, querida. A qual morro de medo e me questiono se fui culpada em parte. Deveria ter lutado mais por você? Por nós? Tentamos? Tentamos. Mas nunca passamos do primeiro passo. E ficou para sempre aquela incógnita rasgando a garganta: E SE? 


Tenho medo de te encontrar e me apaixonar de novo. Tenho medo de não superar esse sentimento nunca e morrer arrependida de não ter vivido o óbvio. Não vou interferir em sua rotina de guerreira, minha deusa. Tens meu respeito. Amo ver os teus cafés com leite, riso e crachá na estrada. Deves permanecer assim, você está só começando, acredite. Você vai conquistar tantas coisas ainda… Eu não estou entre elas, a mim você sempre terá.


Talvez um dia eu crie coragem de ir ao teu encontro novamente, beijar-te mais uma vez e sentir os teus longos cabelos pela primeira vez em tantos anos. Ou talvez você os corte até lá. Certamente aí eu perderia tudo.


Não me entenda mal, sou feliz. Sofri um bocado por você no começo, lembra? Sei que te fiz pagar por isso involuntariamente, fiquei um pouco fria depois de te ver com tantas pessoas enquanto deveria ser eu. Eu sei que você tinha medo. Eu também tinha. Eu tenho. 


Sofro por outros motivos, a vida não é fácil. E também fui abocanhada por essa escuridão que consome a gente de dentro pra fora e quando vê não sobra quase nada para lutar. Mas somos fênix, não é?! E quem sabe não esteja também prestes a renascer aí, mais laranja do que nunca? Seria insano. 


Não falo de nos reencontramos em outra vida, apenas num futuro próximo, quando o toque de nossas mãos não gerar tensão suficiente para atrair os corpos. Seria possível ou talvez loucura, mas acredito que ainda teremos uma boa oportunidade de escolher, mais uma vez, o que nos aguarda.


Até lá estarei preparada para o próximo passo. E você?

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