O coração batia rápido, a boca estava seca e pálida e os olhos avermelhados, meio fechados, com certeza havia fumado um baseado antes daquele encontro. Não entendia como conseguia ser tão descuidada, os cabelos estavam desgrenhados, com aparência suja, a roupa era largada e carregava um cigarro entre os lábios. Como alguém assim pode ser tão bem sucedido em tudo que resolvia fazer? Parece piada. - Você está ótima. - Disse, tentando ser educado.
- Não minta. É vulgar até para você.
- Uau! Quanta graciosidade, Srta. Ribeiro.
- Por que se importa com minha aparência? Isto nunca foi realmente importante.
- O que você é, também é o que importa. Isso inclui sua aparência, que está ÓTIMA.
- Estou embaraçada e com olheiras, voltei a fumar e minhas roupas estão todas sujas. Não minta, Mr. Roark. Conheço-o melhor que a minha coleção de diamantes da Tiffany's.
- O que vai querer?
Excusez-moi, un cappuccino et un café au lait. - Ela olhou para mim e sorriu, voltou-se ao garçom e continuou:
- Oh, et le pain de fromage. Voilà tout, je vous remercie.
- Obrigado.
- Você sabe que o francês sempre foi a minha segunda língua, pour rien!

Demos a primeira risada juntos desde o último encontro, meses atrás.- Não faça pouco! Sabe que só aprendi inglês depois de passar fome por quase uma semana nos Estados Unidos, o que foi reforçado com o trauma de sofrer bullyng dos meus amigos no Reino Unido, quando tentava pronunciar o sotaque corretamente. 
- Você não presta, Charles. 
- Agora é sério, como você está? O que tem feito?
- Nada demais, escrito alguns artigos, me aprofundado em minhas pesquisas com o Salmão, ah, mergulhei no Ártico e quase sofri uma embolia pulmonar, mas estou aqui. E você?
- Tivemos um dia ruim na bolsa, mas isso não é novo para você.
- Como vai Alice? - Engoli seco. - Estamos bem, você sabe. O de sempre.
   Helena franziu a sobrancelha. - Isto é tudo?
- Ela está grávida.
- Uau! Isto é... maravilhoso! Eu estou... muito... feliz por vocês. Mesmo!
- Você não parece exatamente fe... 

- Oh! Não seja um idiota, Roark! Venha cá me dar um abraço.
    Levantamos e nos abraçamos. Por um momento aquele acontecimento pareceu passar tão lento quanto o Fabuloso Destino de Amélie Poulain, o que eu poderia com certeza afirmar, depois de Helena me obrigar a assistir mais de cem vezes. Naquele abraço continha saudade agora uma ponta de rancor, pois ele sabia o peso que a notícia traria a Helena. Veio decidido a fazê-lo, e não pararia por saber a situação deprimente em que ela se encontrava. Era melhor que soubesse por ele. 

- Bom, pelo menos agora tenho mais um motivo para escrever, não é mesmo? Sobre o que devo falar desta vez, Charles? 
- Vamos lá, não seja dramática. Não é algo tão importante assim.
- Oh, não? Uma criança? Um bebê, Charles? Isto é demais para mim.
- Sinto muito, Helena. Achei que desta vez realmente pudesse funcionar, sabe, eu e você? Achei que havia chegado nossa hora.
- Ah, por favor? - Helena provou seu capuccino e acendeu outro Mallboro. - Você não aprendeu nada mesmo sobre o mundo real, não é, Roark? A vida sempre vai te passar uma rasteira.
- Não seja grossa.
- Eu não o sou, Milorde. Apenas estou aqui, como sempre, para trazê-lo de volta a realidade. Ponha os pés no chão. Este romance nunca existiu. - Por um momento meu coração sentiu uma dor latente, em seguida meu corpo inteiro resfriou. Então ela continuou. - Nunca fomos nada além de amigos, tudo o que passamos foi mero engano, tentamos mostrar o contrário, mas a vida real sempre nos alertou para o equívoco. Agora finalmente enxergo tudo isso.

- Então por que agiu daquela maneira quando contei sobre Alice? O que você sentiu?
- Quer mesmo que eu diga?
- Com toda a sinceridade, Milady.
- Trocaria todos os meus livros por uma noite com você. Foi depois deste pensamento passar pela minha cabeça que resolvi te encontrar, mas você me achou primeiro, então pensei que não teria afinal que me desfazer de Dostoiéski e Dickens. - Uma risada involuntária nos invadiu. - Falando sério, apenas fiquei em choque. 
- Você sabe que eu seria capaz de tudo, não é, Helena? Que eu estava disposto? Mas contra um filho, contra isso não posso lutar...
- Qual é, Charles, seus pais são divorciados! Isto é só mais uma desculpa.
- É justamente por isso que quero um destino diferente para meu filho, você nunca entenderia. Você sabe que isso influenciou até na minha candidatura à Harvard!
- Mas você está aí, não está? Na Wall Street, sua esposa é dona de uma das melhores floriculturas na 5º Avenida. Você veio do Brasil, Roark. Você chegou ao topo! 
- Você conseguiu com muito menos esforço, Srta. Ribeiro. 
- Nasci nos Estados Unidos, o que você esperava? - Os diálogos com Helena sempre terminavam assim, com nós dois discutindo o passado e o futuro, esquecendo-se na maior parte do pouco tempo que tínhamos, nos tocando muito pouco ou nunca. Tomei sua mão. 
- Tudo bem, Helena, não vamos brigar. Eu te trouxe um presente. - Tomei a sua mão com minha mão esquerda, enquanto procurava no paletó a caixinha da Tiffanys que ela já conhecia de outros carnavais. -
- Acha que vai me comprar com um presente barato da Tiffanys? Um filho vale mais que isto. 
- Shhh! Este é um presente especial, pedi que fossem buscar os diamantes no Monte Roraima, no Brasil. É uma edição exclusiva da Tiffany's, não quero que o aceite pensando no valor, mas sim no significado que carrega. Esta pulseira nos apresenta um novo ciclo, algo nunca vivido antes por nós dois, espero que saibamos enfrentar. - Helena observava seu pulso com atenção, apesar de ponderada, não conseguia esconder o brilho em seus olhos ao ecoar as palavras Monte Roraima, pelo que a conhecia, deve estar pensando no valor. Ela só pensa em dinheiro. 
- É realmente bela, Mr. Roark. Mas não posso aceitá-la. 
- Não, não, não, não a retire. Se o fizer estará cortando relações comigo, não o aceito. Espero há cerca de seis meses por esta jóia, se não for sua, não será de mais ninguém. Jogue-a fora então, mas não me devolva.
- Tudo bem, a guardarei. 
- Só espero que seu herdeiro não encontre um amor tão jovem como você, talvez acabe gastando toda a sua fortuna com ela. 
- Fale sério, Helena. Você é ainda mais bela hoje que há oito anos atrás. 
- Como ascendemos tão rápido?
- É só nisso que pensa?
- Me orgulho de ter estudado em Yale, e de ter me tornado uma grande cientista, mas principalmente de ter me tornado uma escritora. Sinto que a qualquer momento posso abandonar meu cargo na Universidade.
- O quê? Mas isto era o seu sonho, desde que estudava no Equipe, lá no Rio. 
- Gosto de escrever mais que tudo, Charles. Não quero mais outra coisa.
- Tudo bem, olha. Você já tem dinheiro o suficiente para se manter pelo resto dos seus dias, mesmo que não lance mais nada?
- Acha que não sou capaz de criar mais nada? Acha que meu best seller foi único? Você sempre me submete, Mr Roark. Não leu o New York Times esta semana? Advinha quem está em primeiro lugar nas livrarias?
- Oh, meu deus! É você? O autor de O Corvo? Eu não acredito. Por que utilizou um pseudônimo?
- Você sabe como a indústria do terror se funciona, querido. Poderia comprar algumas pulseiras como esta, se  quisesse, bem agora. Mandaria buscar diamantes em outro planeta, maybe.
- Você delira, Helena. 
- Não faça mais rodeios, não vou esquecer a causa deste encontro.
- Ninguém saberá, vamos?
- Sim.
Entramos em um hotel próximo ao Café de la Vie e pegamos um quarto. Aquela foi a última vez em que tocamos os nossos corpos, antes de minha filha nascer. Foi um encontro inesquecível, que voltou a se repetir mais tarde. Até hoje me pergunto se Helena guarda mesmo minha pulseira, ou se jogou fora de birra, no outro dia, quando Alice me ligou e eu me mandei enquanto ela dormia. Nua.

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